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Foto do escritorFernanda Brauner Soares

Arte, sagrado, saúde e antropofagia

Atualizado: 28 de jul. de 2021



Arte/sagrado/saúde


Texto produzido para o Sarau Virtual promovido pela ASSSAN. Acesse em: https://www.youtube.com/watch?v=GqQfkhuox2o&t=2192s


Boa tarde! Quero agradecer ao Asssan o convite para estar aqui hoje e abordar um assunto para mim muito instigante e também muito complexo: arte e espiritualidade.

Coube a mim apresentar o Coletivo Maria da paz e falar sobre arte e espiritualidade.


Trabalho como designer gráfica e artista, fiz graduação e mestrado em artes visuais, minha primeira formação foi em Terapia Ocupacional, entretanto desde 2003 não trabalho mais na área da saúde. Conheci a Maria da paz por 30 anos.


Quando ela se foi, em 2018, formou-se um grupo entre alguns familiares, amigos e ex-pacientes em torno da ideia de manter o seu legado, entenda por isto o que foi vivenciado com ela através da arte, do estudo da psicologia junguiana, da busca do auto conhecimento e da espiritualidade, através do amor, da amizade e da confiança que todos encontraram ao se relacionar com ela. Esse grupo não se conhecia, mas se criou em torno do que foi deixado por ela.


A Maria da Paz era psicóloga, com orientação na psicologia analítica, de Carl Gustav Jung. Era psicóloga junguiana em Porto Alegre numa época em que poucos estudavam ou tinham esta abordagem terapêutica. Com o passar do tempo sua pratica a levou a estudar cada vez mais profundamente a psicologia humana ampliando seu estudo para áreas como mitologia, arte, arte-terapia, religiões comparadas, filosofia, astrologia e tudo o que pudesse ser útil no tratamento de seus pacientes.


Entretanto esse não era somente um objetivo profissional era também uma busca pessoal por autoconhecimento e ampliação da consciência. Maria da Paz era uma sagitariana, curiosa e profunda, muitas vezes a vi falar sobre a busca do autoconhecimento e espiritualidade.


Além dos estudos ela desenvolvia práticas artísticas, conhecidas por algumas pessoas de seu relacionamento, ela pintava e também modelava em argila. Foram encontradas mais de cem pinturas sobre papel e algumas peças em cerâmica. Aparentemente não se colocava como uma artista e sim uma pessoa que se expressava através da arte e com isso ampliava sua busca interior. Da mesma forma é possível observar o trabalho com arte desenvolvido por Jung e lindamente relatado no seu O Livro Vermelho.


No caminho do autoconhecimento Paz encontrou o Budismo e o Zen budismo, incentivou e ajudou na criação de sangas aqui em Porto Alegre, era zen-budista e tinha um largo conhecimento desta e de outras religiões.

Quando da sua passagem, foi celebrada em sua homenagem uma cerimonia no centro zen Budista Maytrea, em Porto Alegre, onde estão depositadas parte de suas cinzas.


Depois disso passou a se reunir e a medida que estas reuniões foram ocorrendo surgiu a ideia de realizar algo com o tanto que havia ficado de Maria da Paz em cada um. Além disto a família resolveu doar para o grupo a biblioteca dela com mais de 800 títulos referentes as áreas da psicologia, espiritualidade, filosofia, arte e arte-terapia, entre outros. E também foi doado o mobiliário da sala de atendimento, o consultório da Maria da Paz.


Em novembro de 2019 encontramos um lugar que parecia acolher o espirito do grupo. O Centro Cultural Vila Flores, no bairro Floresta em Porto Alegre. Desde então o Coletivo Maria da Paz ocupa a sala Verbena no sótão do Vila Flores.


Fomos atropelados pela pandemia do COVID19 e como todos ficamos tentando encontrar uma forma de existir. Alguns projetos tiveram que ser adiados, ou temporariamente esquecidos, mas de fato o grupo conseguiu realizar o 1ºcurso de iniciação à astrologia, ministrado por Nilo Romero. Este evento foi totalmente on-line e gratuito, marcando a primeira ação desenvolvida pelo Coletivo Maria da Paz para a comunidade.


Maria da Paz se interessou por astrologia muito cedo. Foi aluna da D Emy, Ema Coste de Macheville, conhecida astróloga da década de 70, que formou uma geração de astrólogos ou estudiosos da astrologia no RS. Sua abordagem não era preditiva, mas sim pela busca do autoconhecimento, uma prática capaz de auxiliar no entendimento de quem somos e o que somos capazes de fazer nesta existência com relação não apenas ao individual, mas também ao coletivo. Esta visão da astrologia, como uma ferramenta para ampliação da consciência era um dos recursos que Maria da Paz dispunha em sua busca interna, que aqui vou chamar de espiritual, mas podemos simplesmente dizer autoconhecimento.


Além deste curso de astrologia o Coletivo Maria da Paz pretende criar uma biblioteca de forma que esta possa interagir com a comunidade e possamos transcender este legado de estudo, pesquisa e troca de conhecimento.


A parceria com ASSSAN possibilitou a colaboração em alguns dos podcast “que tal um mate?” tratando de assuntos centrais para este Coletivo, como o feminino, ecologia, educação e também agora neste Sarau falando de saúde, arte, sagrado e filosofia. Também em parceria com ASSSAN foi realizado o 2º curso de astrologia, nos mesmos moldes do primeiro.


Estar no Vila Flores, enriquece e fortalece nossa intenção de auxiliar e criar ações sociais que circundem os temas já citados. Estamos organizando um grupo de atendimento psicológico afim de facilitar o acesso a este serviço. Assim como desejamos dar inicio aos grupos de estudo a respeito da psicologia Junguiana e mitologia no próximo ano.


Criamos um Instagram e uma página no Face Book e para o ano que vem lançaremos o site do Coletivo maria da Paz. Também está sendo produzido um vídeo, ainda sem prazo de lançamento, pois se encontra em fase de produção e captação de recursos.

Enfim, o Coletivo Maria da Paz vem construindo sua espinha dorsal e, aos poucos desenvolvendo suas atividades, com o objetivo de cultivar e compartilhar um espaço propicio ao autoconhecimento pessoal e coletivo.


Por este motivo acreditamos que o Vila Flores, uma comunidade criativa que estimula o trabalho colaborativo, reverbera e acolhe os anseios deste Coletivo. Que são os de contribuir para uma forma mais saudável de convivência, respeitando as individualidades tanto quanto a diversidade nos relacionamentos. Que através da arte, do estudo, do autoconhecimento e do compartilhamento e colaboração possamos criar ações que contribuam para um mundo melhor.


Dito isto


Trago algumas questões pertinentes ao processo de construção deste coletivo, temas que tangenciam nossas ações e que se encontram no foco deste encontro. Não tenho a pretensão de responder a estas questões, mas sim me proponho a refletir com vocês estes pontos a partir da minha experiência como terapeuta ocupacional e artista.


Do ponto e vista do artista a arte é seu instrumento de trabalho, é sua forma de conexão com o mundo. E também uma ferramenta de expressão. Muitos dizem que o artista é aquele que traduz de forma poética os anseios e temores mais intrínsecos dos seres humanos. Se entendermos por este lado podemos dizer então que o artista, através da arte, é capaz de acessar o mundo interno, ou a psique humana, a alma.


Quando ainda atuava como terapeuta ocupacional tive a oportunidade de trabalhar sob a supervisão da Dra. Nise da Silveira na Casa das Palmeiras, no Rio de Janeiro em 1991. Era um local onde a prática terapêutica se dava através de atividades artísticas. Minha prática na área da saúde psíquica sempre foi de usar a arte como recurso terapêutico.


Nestes anos pude aprender e vivenciar a força do trabalho com arte para acessar emoções resistentes ou muito escondidas. Ao lidar com a pintura, com a argila, a musica ou a escrita é possível expressar o que muitas vezes não conseguimos verbalmente ou por meio do intelecto. O fazer artístico é um recurso riquíssimo de acesso ao inconsciente. Uma ferramenta eficaz no processo de conexão com o si-mesmo, o self.


No meu processo como artista venho descobrindo outras nuances deste trabalho com arte. Também é possível acessar as emoções, mas a intenção de fazer arte não necessariamente é um arroubo que brota inconscientemente. Requer disciplina e participação intelectual, muitas vezes encontrando os dois lados, a emoção e a razão.


E entendi que o fazer artístico oferece uma oportunidade de autoconhecimento. Especialmente quando este fazer proporciona a criação de símbolos, ou o acesso aos símbolos do inconsciente coletivo. Jung diz no O Livro Vermelho que “a união da verdade racional com a verdade irracional deve ser encontrada não tanto na arte, mas muito mais no símbolo, pois é da essência do símbolo conter ambos os lados, o racional e o irracional.”


Vamos entender símbolos, aqui, como imagens significativas. Eles surgem quando algo exterior é associado com um conteúdo espiritual, um significado ou um sentido.

Na compreensão da psicologia analítica de Jung os símbolos transportam conteúdos inconscientes até a consciência, unindo os lados consciente e inconscientes da psique.


Existem diferentes formas de acessar o simbólico: através dos sonhos, da imaginação ativa, da escrita automática e também do fazer artístico, quando é proposto deixar fluir, deixar que a expressão ultrapasse a fronteira com a consciência, ampliando-a. Pois, quanto maior é a ampliação da consciência maior é o autoconhecimento.


Pensando na citação de Jung a respeito do símbolo vale dizer que não é preciso ser um artista ou desenvolver um fazer artístico para acessar o simbólico através da arte. É preciso estar em contato com o símbolo e isto pode se dar através da leitura ou da escuta de um conto de fadas ou de um conto mitológico, de ouvir uma música, de assistir um filme, visitar uma exposição de arte ou ainda ir ao teatro. Existem muitas formas de fruir a arte que nos levam em contato direto com o simbólico e isto muitas vezes provoca uma sensação de plenitude ou de entendimento de algo que antes não era claro, um insight. Este momento podemos entender como espiritual, numinoso, que amplia a consciência.


Para Jung a espiritualidade não se refere a uma determinada profissão de fé religiosa, a espiritualidade está relacionada a uma atitude, a uma ação interna, a uma ampliação da consciência, a um contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e ao fortalecimento, amadurecimento que esse contato pode resultar para a personalidade.


O conceito de espiritualidade hoje em dia não está mais relacionado à religiosidade, seus dogmas e crenças apoiados em rituais. Inclui conceitos psicológicos positivos, como significado e propósito, conexão, paz de espírito, bem-estar pessoal e felicidade. Pode ser definida como a busca inerente de cada pessoa do significado e do propósito definitivos da vida


Podemos então pensar no fazer artístico, no contato com a arte, como a possibilidade de acesso ao inconsciente onde a pessoa produza símbolos, imagens significativas. símbolos que segundo Jung, são capazes de trazer à consciência conteúdos psíquicos inconscientes, possibilitando a união destes dois lados.


Por esta razão eu vejo a importância terapêutica desta prática. Possibilitando o indivíduo a acessar estes conteúdos causando uma experiência que pode ser numinosa, transformadora. A experiência relatada por Jung no Livro Vermelho revela o contato com a arte, com o fazer artístico, como uma das vias de acesso a este encontro.

Entendo que isto possibilite o autoconhecimento e que isto está conectado com a espiritualidade.


Neste contexto, acredito que posso inferir que as pinturas e cerâmicas que Maria da Paz produziu tinham a intenção do encontro com o espiritual, uma busca por autoconhecimento. Possivelmente, para além de seu gosto pela prática da pintura, por modelar o barro e pela arte ela encontrava nestas práxis uma conexão interior, um espaço de exploração inconsciente que levasse à ampliação de consciência – autoconhecimento, espiritualidade.

Ouso dizer isto por que este era o objetivo dela ao encaminhar pacientes a terapia ocupacional ou incentiva-los à praticas artísticas ou corporais que possibilitassem o acesso ao mundo interior, ao contato com a alma.


Por fim, eu gostaria, em nome de todos os integrantes do Coletivo Maria da Paz fazer uma homenagem ao dia de hoje, 4 de dezembro, dia do nascimento de Maria da Paz. E gostaria de fazer isto através do simbólico.

Não sei se conhecem um livro chamado A ciranda das mulheres sábias, de Clarissa Pinkola Estés, a mesma que escreveu Mulheres que correm com os lobos. Ele é dividido em partes e a última delas se refere à gratidão, tem o título: As preces de gratidão pelas velhas perigosas e suas filhas sábias e indomáveis que alegram a nossa vida. Vou dizer algumas delas:





Fontes bibliográficas:

Dorst, Brigitte - C.G. Jung Espiritualidade e transcendência Ed Vozes

Eliade, Mircea – Imagens e Simbolos. Martins Fontes

Estes, P. Clarissa – A Ciranda das mulheres sabias

Jung, C.G. - O Livro Vermelho. Ed Petropolis, RJ

Martins, Silvia Xavier da Costa -Espiritualidade, arteterapia e a busca de sentido: considerações à luz da logoterapia de viktor frankl In. Revista Logos e Existência, 6 (2), 100-107, 2017.


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